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O Pequeno Príncipe: Uma Leitura Psicanalítica da Infância, do Afeto e do Recalcado


A obra O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, é comumente associada à infância e à inocência, mas sob o olhar psicanalítico, ela revela camadas muito mais complexas do que aparenta à primeira vista. Por trás da linguagem simbólica e poética, encontramos um mergulho profundo nas estruturas do psiquismo humano — sobretudo nos conflitos entre o mundo infantil e o mundo adulto.


A jornada do Pequeno Príncipe pode ser interpretada como uma travessia pelo inconsciente. Cada planeta que ele visita representa uma faceta psíquica ou um arquétipo do comportamento humano: o rei (o desejo de controle e onipotência), o vaidoso (a busca por reconhecimento narcisista), o bêbado (a fuga da dor), o homem de negócios (a ilusão de que possuir é existir) e o geógrafo (o saber que não se arrisca). Esses personagens funcionam como representações simbólicas de mecanismos de defesa, fixações e formas de lidar com o vazio existencial.


O Pequeno Príncipe, por sua vez, encarna o sujeito em seu estado mais originário, próximo do isso (ou id), livre dos recalques típicos da estrutura adulta. Ele é movido pelo desejo, pela curiosidade e pela sensibilidade, características frequentemente abafadas no processo de socialização. Ao encontrar o aviador — o adulto que reaprende a escutar — temos o reencontro entre o ego racional e o conteúdo psíquico rejeitado: a criança interna.


O vínculo do príncipe com a rosa remete à primeira experiência de amor, repleta de ambivalência. A rosa é frágil, exigente e vaidosa — atributos que podem ser lidos como projeções da figura materna idealizada e, ao mesmo tempo, frustrante. A necessidade de cuidar da rosa e o sentimento de culpa por tê-la deixado expressam um conflito edipiano mal elaborado, onde o amor é entrelaçado com o sofrimento, e a separação gera angústia.


Já a raposa surge como um momento de elaboração simbólica do afeto. É ela quem introduz o conceito de laço e responsabilidade — aquilo que, em termos freudianos, poderíamos associar ao surgimento do superego como mediador dos impulsos e organizador dos vínculos sociais. A famosa frase “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” marca o início da internalização do outro como objeto amado e desejado, mas também como limite.


Por fim, a morte do Pequeno Príncipe pode ser compreendida não como um fim literal, mas como uma representação simbólica do retorno ao inconsciente, ou do movimento de sublimação — um atravessamento da dor e do crescimento psíquico. Ele parte, mas deixa no aviador (e em nós, leitores) um vestígio do que foi vivido: a marca de um afeto verdadeiro, que não se explica racionalmente, mas se sente no corpo e na alma.


Ler O Pequeno Príncipe à luz da psicanálise é um convite a reencontrar as partes de nós que foram caladas pelo tempo, reprimidas pela norma e esquecidas pelo adulto que nos tornamos. O livro não é, portanto, apenas uma fábula: é um espelho simbólico do nosso mundo interno, onde ainda ecoam as vozes da infância, o medo da perda e a esperança do reencontro.


Autor

John Fonsècca

 
 
 

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