O silêncio que fica: O luto de pais que perdem seus filhos
- Anilton John Fonseca
- 14 de abr.
- 2 min de leitura
Não há palavra no dicionário que nomeie um pai ou uma mãe que perde um filho. Essa ausência de nome talvez diga algo do indizível que é essa dor. Quando um filho morre cedo, o tempo se desorganiza. A ordem natural se desfaz. O futuro, que antes habitava aquela criança, se rompe de forma abrupta e cruel. E o que fica, muitas vezes, é o vazio. Um silêncio espesso, que nem sempre encontra lugar na fala, mas se inscreve no corpo, no cotidiano, nos gestos interrompidos.
Na escuta psicanalítica, o luto é compreendido como um trabalho psíquico — doloroso, solitário, mas necessário. Freud, em seu texto "Luto e Melancolia", nos ensina que o luto é o processo pelo qual o sujeito, aos poucos, se desprende do objeto perdido. Mas e quando o objeto perdido é um filho? Um pedaço de si, do próprio ideal, da esperança e do amor investido? Nesse caso, o luto escapa da lógica simbólica comum. Há um rompimento no registro do que poderia ser simbolizado.
Recentemente, um amigo muito próximo passou por essa experiência devastadora. Vi de perto o impacto dessa perda — não só nele, mas em tudo ao seu redor. A casa mudou de tom, o olhar perdeu brilho, o mundo pareceu minguar. Como psicanalista, muitas vezes me vejo diante da escuta de dores profundas. Mas ali, diante de um pai que perdeu seu filho, a teoria cede espaço à presença silenciosa. Não há técnica que dê conta de tanta ausência. Há, sim, a escuta — uma escuta que não oferece respostas, mas reconhece a falta, o rasgo, o buraco deixado pela perda.
A dor da perda de um filho não se supera. Ela se reinscreve na vida, de maneiras variadas. Alguns pais criam formas de manter viva a memória, outros se calam. Cada um encontra — ou não — uma maneira de elaborar o insuportável. A psicanálise não oferece promessas de cura, mas sustenta o sujeito em sua travessia. Permite que o sofrimento se diga, mesmo que aos poucos, mesmo que entre lágrimas, mesmo que em silêncio. O luto precisa de tempo, de escuta e de respeito.
Não há consolo suficiente para uma dor como essa. Mas há possibilidade de que, em algum momento, essa dor encontre palavras, contornos, e não precise mais ser carregada como peso absoluto. A memória do filho perdido pode então tornar-se parte da história, sem aprisionar o presente, sem paralisar o amor. E é nesse ponto que a psicanálise oferece sua contribuição mais delicada: ajudar o sujeito a viver, ainda que a perda jamais deixe de doer.
A dor não se apaga, mas pode, com o tempo e o cuidado, se transformar em um modo de seguir. Não como quem esquece, mas como quem escolhe continuar amando, mesmo com o coração faltando um pedaço.
Autor
John Fonsècca
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