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O silêncio que fica: O luto de pais que perdem seus filhos



Não há palavra no dicionário que nomeie um pai ou uma mãe que perde um filho. Essa ausência de nome talvez diga algo do indizível que é essa dor. Quando um filho morre cedo, o tempo se desorganiza. A ordem natural se desfaz. O futuro, que antes habitava aquela criança, se rompe de forma abrupta e cruel. E o que fica, muitas vezes, é o vazio. Um silêncio espesso, que nem sempre encontra lugar na fala, mas se inscreve no corpo, no cotidiano, nos gestos interrompidos.


Na escuta psicanalítica, o luto é compreendido como um trabalho psíquico — doloroso, solitário, mas necessário. Freud, em seu texto "Luto e Melancolia", nos ensina que o luto é o processo pelo qual o sujeito, aos poucos, se desprende do objeto perdido. Mas e quando o objeto perdido é um filho? Um pedaço de si, do próprio ideal, da esperança e do amor investido? Nesse caso, o luto escapa da lógica simbólica comum. Há um rompimento no registro do que poderia ser simbolizado.


Recentemente, um amigo muito próximo passou por essa experiência devastadora. Vi de perto o impacto dessa perda — não só nele, mas em tudo ao seu redor. A casa mudou de tom, o olhar perdeu brilho, o mundo pareceu minguar. Como psicanalista, muitas vezes me vejo diante da escuta de dores profundas. Mas ali, diante de um pai que perdeu seu filho, a teoria cede espaço à presença silenciosa. Não há técnica que dê conta de tanta ausência. Há, sim, a escuta — uma escuta que não oferece respostas, mas reconhece a falta, o rasgo, o buraco deixado pela perda.


A dor da perda de um filho não se supera. Ela se reinscreve na vida, de maneiras variadas. Alguns pais criam formas de manter viva a memória, outros se calam. Cada um encontra — ou não — uma maneira de elaborar o insuportável. A psicanálise não oferece promessas de cura, mas sustenta o sujeito em sua travessia. Permite que o sofrimento se diga, mesmo que aos poucos, mesmo que entre lágrimas, mesmo que em silêncio. O luto precisa de tempo, de escuta e de respeito.


Não há consolo suficiente para uma dor como essa. Mas há possibilidade de que, em algum momento, essa dor encontre palavras, contornos, e não precise mais ser carregada como peso absoluto. A memória do filho perdido pode então tornar-se parte da história, sem aprisionar o presente, sem paralisar o amor. E é nesse ponto que a psicanálise oferece sua contribuição mais delicada: ajudar o sujeito a viver, ainda que a perda jamais deixe de doer.


A dor não se apaga, mas pode, com o tempo e o cuidado, se transformar em um modo de seguir. Não como quem esquece, mas como quem escolhe continuar amando, mesmo com o coração faltando um pedaço.


Autor

John Fonsècca

 
 
 

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